Estou aqui, com uma pessoa apaixonante, mas só consigo pensar em quem estará com o ex neste exato momento





Outro dia, no meio de uma festa, a amiga me pegou pelo braço, fez cara de luto e disse que não parava de pensar no ex-namorado. Eu a olhei intrigado. Um minuto antes, talvez menos, ela ria alto, dançando com um sujeito que não parava de falar no ouvido dela. De onde tinha surgido essa preocupação fora de hora com o ex?
Na verdade, eu sei.
Em momentos gostosos da nossa vida, somos visitados pelo fantasma da vida do outro: o que estará fazendo ou sentindo a pessoa que costumava estar conosco? Com quem estará neste momento? Se eu estou rindo, beijando ou transando, é possível que ele ou ela esteja fazendo o mesmo. A suposição fantasiosa (ou realista) é suficiente para estragar uma noite perfeita.
Para a amiga que acabou de se separar, o sentimento é inevitável. O ex-parceiro está emocionalmente muito próximo. É como se ele estivesse ali, em carne e osso, dançando entre ela e o sujeito que tenta seduzi-la. Mergulhar no prazer do momento sugere, inevitavelmente, que o ex, tão presente na consciência, pode estar fazendo o mesmo. Demora algum tempo para que a conexão desapareça, e com ela a sensação de culpa e o ciúme.
Mas há gente que insiste – longamente – em manter esse vínculo. Assim, constroem relacionamentos ao mesmo tempo inexistentes e indestrutíveis. Vocês já devem ter visto isso: a relação acabou, mas uma das partes ainda age como se tudo continuasse igual. A mesma lealdade, o mesmo ciúme, a mesma atenção. Para as vítimas dessa ilusão, é como se mantivessem um relacionamento à distância. O outro não está fisicamente presente, não há qualquer contato com ele, mas, emocionalmente, ocupa um espaço essencial.
Se isso parece coisa de maluco, não é. Muitos adotam esse comportamento, num grau ou em outro. Faz parte das artimanhas humanas para evitar o sofrimento. É difícil aceitar que uma relação importante para nós acabou contra nossa vontade, e que estamos, Deus nos proteja, sozinhos. Então, inconscientemente, inventamos estratégias de sobrevivência.
Uma delas, óbvia, é separar um cantinho dentro de nós onde tudo continua quase como sempre foi. A pessoa não nos quer mais, mas nós continuamos apaixonados por ela. Podemos falar sobre ela com os amigos, espiar a página dela no Facebook, arrumar motivos para telefonar ou mandar mensagens. É uma maneira socialmente aceitável de fingir que algo morto continua vivo. As pessoas têm medo de malucos, mas tratam quem sofre de amor com a maior delicadeza.
Embora seja socialmente aceitável, essa fantasia tem custo elevado: ela nos torna reféns da vida maravilhosa dos outros.
Estou aqui, ficando com um cara apaixonante, mas, meu Deus, com quem meu ex estará neste exato momento? Estou aqui, com uma mulher incrível, mas, caramba, para quem a minha ex estará dando agora mesmo? Não existe masoquismo maior, nem mais comum.
Sair dessa armadilha exige – além de tempo – uma concepção generosa do amor, para si mesmo e para o outro.
Para ser livre, para voltar a usufruir o desejo e o afeto em nossa própria vida, é preciso aceitar que o outro fará o mesmo, e tem o direito de fazê-lo.
Aceitar a liberdade do outro é sempre o primeiro passo, sem o qual a gente não se livra do fantasma dele ou dela.
Sem aceitar que não somos dono do corpo e dos sentimentos do ex, a gente não volta a ser dono de si mesmo.
Sem permitir que ele ou ela se vá, profundamente, a gente mesmo não consegue avançar.
Sem aceitar o vazio que o fim de um relacionamento provoca, não estaremos prontos para um novo relacionamento.
De uma forma inevitável, somos, sim, reféns permanentes da vida do outro. Do ex, do atual, de todo mundo. Lá no fundo, onde moram nossos sentimentos mais importantes, onde são tomadas as grandes decisões inconscientes, a liberdade que damos aos outros é igualzinha à liberdade que damos a nós mesmos. Talvez seja hora de começar a conquistá-la.
Texto de: Ivan Martins
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2016/08/refem-da-vida-dos-outros.html

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